quinta-feira, 4 de março de 2010

Joaquim Leitão dá aula de cinema em Penamacor

“Faço filmes sobre coisas que não sei”

Com raízes em Pedrógão de São Pedro, o realizador Joaquim Leitão esteve em Penamacor para dar uma aula de cinema. De seguida falou ao Reconquista sobre o que é isto de ser realizador.

Joaquim Leitão, o realizador, o actor, o homem. O homem, sobretudo. Foi com ele que travámos o primeiro conhecimento e que o vimos dar uma ‘aula de realização’ para alunos do ‘seu concelho’. Penamacor só não é mesmo o seu concelho e Pedrógão de São Pedro a sua terra, porque acabou, por circunstâncias da vida, por nascer em Lisboa. Mas passava ali as suas férias, as grandes, quando na altura não havia ainda luz. E já ele era viciado em televisão. Desde pequenino.

Aqueles locais davam-lhe liberdade e a certeza de, por mais que andasse, nunca se perder. “Era só olhar para trás e lá estava, o Pedrógão”, conta ao Reconquista. E foi aí que andou de égua e que correu pelos campos…

“O que me influenciou foi a minha família, embora tenha sido criado em Lisboa, os meus pais e os meus avós foram criados aqui e parte dos meus valores e da minha maneira de ver o mundo têm a ver com aquilo que eles me ensinaram. E isso nasceu aqui”, lembra.

A avó, analfabeta, foi a pessoas que mais o marcou pela sabedoria que lhe passou. E o facto de ser uma família com algumas posses, o que permitiu a mãe estudar, fê-lo estar entre dois mundos e tratar toda a gente por igual. “Não se deve olhar de cima para ninguém, nem debaixo para quem quer que seja” – é uma máxima que continua a seguir.

Por isso gosta de tratar toda a gente por ‘tu’, mesmo o Presidente da República!

“Lembro-me de vir para aqui nas férias, tinha lados engraçados e outros menos. Apesar de aqui não haver electricidade, tinha a vantagem de contactar com o mundo que eu não conhecia… e podia passear de égua. A vantagem destes sítios é que podemos ir para onde queremos. Vamos até estarmos cansados e nunca nos perdíamos”, recorda.

Foi assim a sua infância e talvez esta liberdade que conquistada em terras da beira o tenha feito deixar o seu curso de advocacia e ingressar no Conservatório, onde viria a terminar o curso de Montagem da Escola de Cinema.

Um realizador e um actor de sucesso. Quisemos saber como é o ‘método’ de fazer um filme. Como nasce um filme na cabeça de Joaquim Leitão?

“É um processo que não consigo descrever, que é razoavelmente espontâneo e que eu prezo muito. Há um momento em que me apetece falar de algo. Há um tema que me interessa e sobre o qual me apetece pronunciar e isso eu não controlo. Às vezes, pode ser uma coisa sugerida por outra pessoa. Outras vezes, acordo a meio da noite e lembro-me de outra coisa qualquer… o clik faz-se quando se junta a ideia, que pode ser uma coisa muito vaga”, diz.

Faz filmes sobre questões que o inquietam, que lhe levantam dúvidas e discute o tema consigo próprio.

São factos reais ou algo que leu ou ouviu falar. Dá-se um clik entre um determinado tema, entre certas personagens e um esboço de história.

Depois, bom… é “perceber como posso tratar aquele tema no meio daquele ambiente… é um processo muito complicado. É algo que é simultaneamente, trabalho artístico, mas que tem o lado técnico. Temos que perceber se aquilo que estamos a escrever é fazível. E encaixar num determinado tempo, porque normalmente um filme terá por volta de duas horas e é fundamental encaixar a história nesse tempo”, revela.

Não tem agenda de temas, simplesmente não gosta de fazer o que já está feito. E, talvez por isso, aborde, muitas vezes temas ‘tabu’.

“Não é por serem tabu. Por exemplo, no caso do “Tentação”. Eu queria falar sobre a droga e apetecia-me frisar que há uma espécie de ideia feita de que aquilo acontece aos outros. Tentei arranjar as personagens que passassem essa mensagem da forma mais eloquente”, afirma.

De resto, a ideia inicial contava com um presidente de Câmara. Mas depois percebeu que era muito mais forte se fosse um padre. “Quando comecei a trabalhar no filme, apareceu nos jornais a notícia de um padre cuja história tinha alguns pontos de contacto com a minha. A minha ideia é anterior a isso. Ainda me encontrei com ele e depois a história que eu conto não tem nada a ver com a dele, que não me interessou”, adianta.

Depois, há a trilogia dos filmes sobre a guerra do Ultramar. De facto explica, “Inferno”, por exemplo, foi catalogado como um filme nesse âmbito, mas “para mim é um filme sobre a amizade”.

Por outro lado, deu-se a coincidência de, na altura, ser um tema pouco falado e, segundo refere, era algo que estava mal resolvido. “Não temos que ter vergonha, embora considere que foi absurdo, existiu e temos que lidar com isso”, reitera.

Este foi um filme muito baseado no que o irmão, que esteve lá, lhe contou. “O risco de vida, mas houve momentos onde a vida foi muito vibrante. A perspectiva da morte também nos obriga a viver com outra intensidade”, refere.

E a critica, como lida o Joaquim Leitão com ela? Indiferente. Claro que qualquer pessoa gosta de ouvir dizer bem do seu trabalho. Há pessoas cuja opinião respeita, regista, “mas não afecta muito nem por um lado, nem por outro”.

E recorda que já recebeu elogios acerca de coisas que achava péssimas em determinado filme. “Ou eu estava mal, ou a pessoa estava distraída. Se damos importância às boas, temos que dar importância às más, portanto não dou importância a nenhuma”, afirma.

Para terminar quisemos saber se não está no seu horizonte realizar um filme em Penamacor. “Prognósticos só depois do jogo. Não gosto de falar de projectos sem ter a certeza”, diz.

Joaquim Leitão pensa filmar ainda este ano. O quê? Não revela. Só quanto tudo estiver certo.

Autora: Cristina Mota Saraiva in jornal "A Reconquista"

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