sexta-feira, 27 de março de 2009

A vida de António José

De ganhão a cantoneiro da limpeza

Ajudou a construir os alicerces da escola primária e 17 anos depois volta a pegar no carro do lixo, que conduziu durante 13 anos, para limpar as ruas de Penamacor.


António José olha para as crianças à saída da escola do 1º Ciclo de Penamacor mas as mesmas não imaginam que está ali o homem que ajudou a construir os primeiros alicerces do estabelecimento de ensino.
Aos 86 anos recorda o tempo em que integrou a equipa dos homens que cavaram e ergueram os alicerces da então moderna escola do 1º Ciclo de Penamacor. Na altura era uma obra de grande envergadura composta por várias salas de aula distribuídas por dois pisos. Mas a vida de António José, nascido de uma família de três irmãos na freguesia de Pedrógão de S. Pedro não foi fácil, num tempo onde tudo faltava e a miséria em que estava mergulhado o país não deixava alternativas.
António José foi daqueles que soube adaptar-se às dificuldades da vida e à sobrevivência de quem tem que levar a vida para a frente.
Cedo veio trabalhar para Penamacor. Pertenceu ao grupo de guardadores de rebanhos, andou com uma junta de vacas com um arado, cavou a terra, de pá e picareta abriu valas de água e serviu as casas dos senhores da altura.
Encostado à bengala, António José lá vai recordando esse tempo da profissão de ganhão, em que elevou a fasquia a um ponto que outros apenas podiam imitar. Tratava as coisas pelo nome porque conhecia como ninguém as tarefas que lhe estavam destinadas. Passou ainda pela garagem Petronilho como ajudante de camioneta, tendo a tarefa de carregar e descarregar os veículos pesados.
Os últimos 13 anos da vida activa foram como cantoneiro de limpeza na Câmara Municipal. Eram quatro que dividiam o trabalho, onde de manhã varriam a estrada principal e de tarde as ruas circundantes da vila.
Passados 17 anos, desafiamos António José a voltar a pegar no carro e a conduzi-lo pelas ruas de Penamacor. Se tão bem aceitou melhor o fez. Os tempos são outros bem sabe e recorda que durante 13 anos trabalhou neste sector sem nunca ter ouvido falar na política dos três “R”, de Reduzir, Reciclar e Reutilizar. O lixo era simplesmente varrido e apanhado para os contentores. Sempre de olhos postos no chão de Penamacor nunca teve a sorte de encontrar nenhum objecto valioso nem tão pouco uma moeda de réis.
Hoje vive da reforma que apesar de pequena é o maior bem que adquiriu de uma vida de trabalho. A ligação a esta terra é tão grande que nela nunca quis sair. Actualmente é utente da Santa Casa que lhe presta todos os cuidados de apoio domiciliário.
António é a traça típica dos homens da raia, com atitude, uma vida de trabalho, anfitrião da causa comum, é alma portuguesa e das estórias de uma vida, o tempo não chegaria para as contar todas. Saiu do concelho apenas para cumprir o serviço militar no Quartel de Infantaria de Castelo Branco. Aprendeu a ler e escrever e concluiu a quarta classe já em Penamacor. Numa velhinha escola, porque a actual foi ele que a ajudou a erguer, e por estar a paredes meias com o cemitério, diz com sorriso que “ainda lá foi algumas vezes fazer o jeito”. Pediam-lhe para lá ir ajudar a “mete-los dentro” e lá vinha uma gorjeta.

Autor: Jaime Pires in jornal A Reconquista

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