sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Opinião

Obras na estrada 233 que liga Castelo Branco a Penamacor
Intervenção prejudica estado da via

Cada dia que passa acentuam-se as assimetrias em Portugal, realidade traduzida nas estatísticas oficiais e comprovada pelas mais vulgares ocorrências. De facto, nos últimos tempos têm-se aprofundado as desigualdades sociais, o desequilíbrio na distribuição do rendimento nacional e o fosso entre o interior rural e o litoral urbano.
As recentes obras na Estrada Nacional 233, que liga Castelo Branco a Penamacor, no troço da Ponte de S.Gens às proximidades do Pedrógão de S. Pedro, são uma lamentável ilustração do retrocesso e perigosidade no que ao serviço e obras públicas diz respeito. Num período em que tanto se mediatiza a segurança rodoviária, a promoção por uma entidade “responsável” pela rede rodoviária nacional de obras altamente criticáveis e que conduziram a dezenas de acidentes nas últimas semanas, deveria fazer meditar quem toma decisões e fiscaliza as intervenções neste domínio.
O que aconteceu no troço em obras, que qualquer utente pouco informado consegue ver como uma deterioração da qualidade da via, faz lembrar intervenções típicas de algumas décadas atrás, quando os cantoneiros, munidos de equipamentos dos primórdios da Revolução Industrial, espalhavam alcatrão aquecido para colar gravilha sobre o pavimento. Claro que estamos a falar de um período em que a circulação automóvel era quase insignificante, sendo os riscos toleráveis perante a realidade tecnológica, social e cultural da época.
Agora, ainda que não pareça, estamos entrados no século XXI. Contudo, apesar de alguma actualização de equipamentos e tecnologias, o resultado no asfalto do troço em obras não difere daquele que víamos na nossa juventude, há 30 ou 40 anos atrás, quando obras na estrada implicavam “um mar” de gravilha e, em várias fases do processo, dificuldades na circulação de veículos e peões, pela aderência excessiva do alcatrão quase liquefeito aos rodados e ao calçado.
O resultado final é uma estrada em piores condições do que antes da intervenção promovida pela Estradas de Portugal, E.P.E; a situação intermédia foi um aumento vertiginoso do número de acidentes, alguns com consequências funestas, e uma autêntica dor de cabeça para as centenas de utilizadores diários da Estrada Nacional 233 e para os habitantes das localidades atravessadas por aquela via.
Não perdendo de vista a vergonhosa realidade que, de forma simplificada e suave, acabámos de descrever, convém enquadrar tal situação no quadro nacional em que decorre.
Num período de abandono do interior por parte das entidades governativas, com encerramento de serviços públicos nos mais variados sectores (saúde, educação, agricultura, correios e muitos outros), não será de estranhar que as vias de circulação das regiões mais periféricas sejam tratadas pior que muitos caminhos rurais construídos nos últimos anos pelas autarquias.
Por outro lado, e não menos relevante, estamos perante alguns resultados do processo de privatização da rede rodoviária nacional. Não custa perceber, por muita areia que tentem lançar-nos para os olhos em repetidas manobras de propaganda, que as vias rodoviárias mais lucrativas para as empresas que dominam a economia e os centros de decisão (porque pagas directamente pelos utentes, mesmo quando o serviço prestado é de má qualidade - como nas auto-estradas em obras) acabam por ter uma qualidade aceitável, enquanto as estradas em que não justifica a cobrança de taxas (acrescidas aos impostos que todos pagamos) e, por isso, não gerando tantos lucros para tais empresas, se irão degradando ou serão sujeitas a operações de cosmética que não as requalificam e, como é o caso descrito, as colocam em muito pior estado.
Também nesta plano, como em muitos outros, assistimos a um retrocesso e a um país com realidades geográficas cada vez mais desiguais. As regiões com potencialidades demográficas e económicas atractivas para os grandes grupos económicos colherem lucros de serviços que deveriam ser de interesse e utilidade públicos, irão manter padrões de alguma qualidade de vida, pelo menos no que respeita às infraestruturas; as áreas mais desertificadas, porque esquecidas e exploradas ao sabor das oportunidades, por não apresentarem interesse imediato para quem pode e manda, são tratadas como o Portugal dos Pequenitos.
Neste triste cenário, não podemos deixar de lamentar a aparente passividade ou conivência das entidades locais, nomeadamente das autarquias, que por distracção ou alheamento não exteriorizaram qualquer intervenção de protesto junto dos promotores deste atentado à qualidade das nossas estradas, à segurança dos utentes e à imagem de uma região.
Enfim, somos o Portugal dos Pequenitos, mesmo que alguns em bicos dos pés!
Autor: A. Gil in A Reconquista

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