quinta-feira, 29 de abril de 2010

Agricultura do Meimão morre à sede entre duas barragens

Freguesia vive com a água a seus pés mas não a pode utilizar para a agricultura. Meimão reclama regadio para travar desertificação e assegurar a sobrevivência. Sem água para regar, a aldeia acabará por morrer.

DE TÃO injustas que são, há realidades difíceis de entender. A aldeia do Meimão vive uma situação caricata. Está praticamente rodeada pela água da Barragem da Meimoa mas não a pode utilizar para a agricultura. A água está ali tão perto, mas as culturas morrem à sede no Verão.“É uma tremenda injustiça”, protesta o presidente da Junta, Francisco Campos, que se tem batido pelo regadio. É desta aldeia do concelho de Penamacor que sai a água para o Regadio da Cova da Beira, mas, ironicamente, os agricultores desta terra não têm água para regar.

Francisco Moiteiro e a mulher, Beatriz Nabais, aproveitam a tarde soalheira para amanhar a terra no Lagoeiro, nas imediações da barragem. Andam a “gradear” batatas. A albufeira atingiu a sua capacidade máxima e a água invade a zona mais baixa do terreno. É uma espécie de fruto proibido. “É triste. Temos a água aqui tão perto e não a podemos usar. Para regar, tiramos água do poço”, lamenta Francisco Moiteiro, com o desânimo estampado no rosto. Já perdeu a conta aos anos em que as culturas morreram à sede, a poucos metros da barragem.

É esta situação caricata que os agricultores do Meimão pretendem alterar. A maioria cultiva os campos para comer, mas há quem recolha da terra mais do que é necessário para o consumo familiar: “Há quem vá vender na praça do Sabugal”, explica o presidente da Junta, que faz o que pode para sensibilizar quem decide para este problema do Meimão.

Ilda Costa e Francisco Barata sempre cultivaram a terra e aos 70 anos continuam a fazê-lo. “Semeamos batata, milho, feijão e sorgo para os animais”, explicam, interrompendo o amanho da terra, onde vão semear milho. Este ano a chuva atrasou a lavoura e agora que a primavera chegou há que recuperar o tempo perdido.Os braços já não são o que eram, mas a mula sempre dá uma ajuda.

A produção de gado constitui um suporte fundamental da ecomonia local. “A aldeia deve ter perto de duas mil cabeças de gado”, contabiliza Francisco Campos, também ele produtor de gado, avisando que a dinamização da agricultura e do turismo é indispensável para estancar a sangria da desertificação. O solo do Meimão é generoso, mas falta água para regar. “A barragem alagou uns 100 hectares de boa terra para a agricultura e não recebemos nada em troca”, lembra o autarca. A água vem da Barragem do Sabugal para a da Meimoa, seguindo, depois, para os terrenos agrícolas dos concelhos de Penamacor, Belmonte, Covilhã e Fundão. Fora deste circuito ficou o Meimão. Os solos são de qualidade mas falta a água, sem a qual a agricultura tem os dias contados. A construção do túnel que transporta a água do Sabugal reduziu as nascentes. “É preciso recuperar os açudes tradicionais e as levadas, para haver água em quantidade suficiente para regar”, explica o presidente da Junta, acrescentando que o investimento previsto deverá rondar os 800 mil euros. Nas últimas autárquicas, a população ameaçou com um boicote eleitoral, mas o pré-aviso chegou a Lisboa e o projecto para recuperar o regadio tradicional deu os primeiros passos. De Lisboa veio o secretário de Estado para assinar o protocolo. Foi há um ano, mas continua tudo na mesma. O projecto aguarda apoios do PRODER. O povo está descontente e começa a esgotar-se a paciência. A população (cerca de 400 pessoas) sabe que aldeia do Meimão não poderá continuar assim, sob pena de continuar a morrer à espera da água!

A ALDEIA do Meimão tem cedido os seus recursos sem receber nada em troca. É a freguesia do concelho que mais energia éolica produz e será a primeira do concelho a produzir energia hídrica. O sentimento de injustiça generalizou-se por estas paragens. Ainda recentemente a Junta de Freguesia apelou à produção de eólica para ajudar a aldeia. De nada valeu. Os mais novos sabem que para arranjar trabalho têm de sair da aldeia. Muitos regressam ao fim-de-semana. Para rever amigos, matar saudades das raízes e participar na vida da aldeia. É o caso de Mónica. É bancária em Castelo Branco, mas regressa sempre que pode. “Para mim esta terra é tudo”, confessa. Viveu em Lisboa, mas resolveu regressar. Pior está o namorado que tem feito de tudo para se mudar, mas ainda não conseguiu. A falta de oportunidades de trabalho constitui, aliás, o maior problema, consideram os mais jovens. “Não há trabalho e temos de sair de cá para ganharmos dinheiro”.

Milagres do Padre Manuel deram fama

O MEIMÃO ficou famoso por obra e graça do Pe. Miguel. O padre “milagreiro” curava doenças e outros males e atraía milhares de pessoas à freguesia que paroquiou durante quase trinta anos. Morreu, mas ficou a fama: “Ainda esta semana aí apareceu um casal à procura do Pe Miguel”, contou ao JF Teófilo Amaral, de 75 anos e que foi vizinho do padre milagreiro.

A “casa dos milagres” situa-se na Rua General Ramalho Eanes. Está abandonada e guarda muitas histórias para contar. Por lá terão passado milhares de pessoas de todo o país e até do estrangeiro, recordam os habitantes da aldeia. “Vinham excursões de todo o país. Como ele não levava nada, deixavam dinheiro por todo o lado. Até nos buracos da parede”, recorda o vizinho, que acompanhou de perto o “fenómeno” Pe. Miguel. “O quintal dele pegava com o meu e costumávamos beber um copo juntos. Conversávamos muito. De tudo e mais alguma coisa. Cheguei a contar 38 camionetas (autocarros) em apenas um dia”, recorda este reformado, que assistiu à debandada de muitos naturais do Meimão para outras paragens.

Passou boa parte da vida no mar, como carpinteiro da marinha mercante. Apresenta-se, aliás, como o habitante do Meimão mais viajado de sempre. Diz que conheceu os cinco continente e ainda guarda as flores da Holanda na memória. “Os portugueses eram muito bem vistos onde quer que fosse. E encontrávamos sempre algum compatriota por esse mundo fora”. Episódios difíceis diz que viveu poucos. O mais marcante aconteceu no antigo Congo Belga e meteu armas e tudo.

Diz que viu “o caso mal parado, mas tudo se resolve”. Teófilo Amaral regressou à sua aldeia há um par de anos. Assistiu à construção da barragem e à submersão de uns “valentes hectares de boa terra. Ficámos sem os terrenos para cultivar e continuamos sem água para regar”. Por enquanto, o problema da rega não se coloca. O ano foi particularmente chuvoso e a terra de cultivo não precisará de água, pelo menos para já. Mas o problema de fundo subsiste. Alguns habitantes do Meimão já desistiram. “Uns foram embora e outros abandonaram o campo”. O êxodo continua. Sobretudo para os mais novos que não encontram razões para continuar no Meimão. Há muito que a escola fechou por falta de alunos. Nas ruas da aldeia, pequenos grupos de idosos espreitam o sol. Nos campos em redor ouvem-se os chocalhos do gado.
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