Estudo com base nos Censos de 1991, 2001 e 2011 mostra evolução dos mais importantes indicadores de escolarização, abandono e sucesso educativo.
O “Atlas da Educação” confirmou cenários que já se previam: o sistema educativo reflete as desigualdades sociais do território nacional, as escolas são incapazes de atenuar o contraste entre zonas urbanas e rurais, norte e sul, interior e litoral, e a certeza de que o abandono e o insucesso escolares não se explicam só pela pobreza das famílias. Mas também que “o atraso revelado pelos níveis de escolarização da população tem vindo a ser superado”.
Em vinte anos, os portugueses deixaram de ter apenas a 4.ª classe para alcançarem o 7.º ano. Mas, se em 1991 o nível de atraso educativo era evidente - a população estudava em média até ao 1.º ciclo - em 2011 ainda havia muito por fazer para que a maioria atingisse a escolaridade obrigatória de nove anos. Mais: a manter-se o ritmo de aumento verificado nas últimas duas décadas, só em 2021 tal acontecerá.
É no litoral do país que se concentra a população com maior nível de escolarização. Assim, às regiões de Porto, Lisboa e Coimbra, cujos residentes já em 1991 se distinguiam com 6,33, 6,61 e 6,07 anos de escolaridade, juntam-se algumas capitais de distrito. Casos de Faro, Évora, Santarém, Aveiro, Braga e Vila Real. Nos anos de 2001 e 2011, a tendência é a afirmação das cidades do interior, na sua maioria capitais de distrito, cujo desenvolvimento local se afirmou ao nível dos serviços públicos de administração, educação e saúde.
Em 2011, o grupo restrito constituído pelos concelhos de Oeiras (10 anos), Lisboa (9,51), Cascais (9,50), Coimbra (8,99) e Porto (8,89) mantinha as médias de escolarização mais elevadas. Nos restantes concelhos que perfazem os 25 melhores (com valores entre os 10 e os 7,93), surpreende a evolução registada em Alcochete e Mafra que em vinte anos viram a sua população aumentar em quatro anos a sua escolarização. Entre os concelhos com valores mais baixos destacam-se a Pampilhosa da Serra (4,58), Penamacor (4,75), Idanha-a-Nova (4,77), Alcoutim (4,79) e Boticas (4,90). Regiões que sofrem os efeitos da quebra demográfica, do envelhecimento da população e a migração das gerações mais novas e escolarizadas.
Os números e as suas explicações constam do “Atlas da Educação – Desempenho e potencial de sucesso e insucesso por concelho”, realizado entre 2012 e 2013 pela associação EPIS – Empresários pela Inclusão Social, em parceria com o Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova. O estudo passa em revista a evolução dos principais indicadores do sistema educativo, com base nos dados recolhidos através dos Censos de 1991, 2001 e 2011.
Adultos pouco escolarizados
Em Portugal dá-se pouca importância à educação de adultos. As consequências são prejudiciais ao país. “A fraca procura de escolarização entre os grupos mais envelhecidos é sempre uma condicionante dos processos de mudança social”, alerta o estudo. O Censos de 2001 mostrava que dos dez milhões de portugueses, 9% eram analfabetos. A população adulta, com idades entre os 25 e os 64 anos, apresentava em média cinco anos de escolaridade em 1991; sete em 2001 e próxima dos nove em 2011 (8,9).
No último Censos, só as mulheres atingiam os nove anos de frequência do sistema de ensino, enquanto os homens se ficavam pelos oito anos e meio. De acordo com a análise feita, a evolução da escolaridade feminina adulta merece particular destaque. Em 1991 parte de uma posição de desvantagem em relação à população masculina (5,1 e 5.7, respetivamente), dez anos mais tarde alcançava o mesmo nível de escolaridade (7,1 e 7,2) e em 2011 superava-o (9,1 e 8,6). Os investigadores contextualizam o fenómeno argumentando que as mulheres terão respondido “de forma mais pronta” ao que viria ser definido como ensino obrigatório até ao 9.º ano.
O segundo grupo etário a merecer destaque neste estudo é o dos 25 aos 44 anos. Trata-se da “geração dos pais” com filhos que à data do recenseamento frequentavam a escola. Dados recolhidos pelos investigadores mostram que as crianças abrangidas pelo aumento da escolaridade obrigatória de nove anos têm pais com seis anos e meio de estudos. Ou seja, que não foram muito além do 2.º ciclo. Vinte anos depois, os alunos associados ao alargamento da escolaridade para os 12 anos têm pais com mais de dez anos de escolaridade.
Menos desigualdade nas áreas urbanas
Como se distribuiu a escolaridade pelos diferentes estratos da população? Para obter esta resposta, os investigadores partiram da hipótese que em zonas onde a desigualdade social é mais acentuada as expectativas de permanência na escola são menores. O passo seguinte foi “situar” essas desigualdades no território.
As conclusões apontam para a diminuição da desigualdade educativa. Menos contraste entre estratos altamente e escassamente escolarizados nos concelhos de “urbanização recente”. “Em grande parte, resultado da integração de áreas periféricas nas dinâmicas de metropolitanização.” A estas, juntam-se ainda as capitais de distrito que registaram um “aumento significativo da escolarização média dos seus residentes”, lê-se no estudo.
Assim, Alcochete, Mafra, Santa Cruz, Condeixa-a-Nova, Arruda dos Vinhos e Maia, ocupam os cinco primeiros lugares na lista de concelhos que, entre 1991 e 2011 mais reduziram a desigualdade educativa nos seus estratos populacionais. Os concelhos com índices mais igualitários são já repetentes entre os melhores indicadores: Oeiras (00,5) Lisboa (0,11), Cascais (0,12), Coimbra (0,18) e Porto (0,21).
Abandono diminui com desemprego
Entre 1991 e 2011, os concelhos dos vales do Ave, do Sousa, do Tâmega e do Douro foram os que mais conseguiram romper o ciclo de abandono escolar, entendido como o número de jovens entre os 10 e os 15 anos que deixam a escola antes do 9.º ano. A maioria destas regiões esteve tradicionalmente marcada pelo trabalho infantil ligado aos setores do têxtil, vestuário, calçado, mobiliário e construção civil, explicam os autores do estudo. Assim, “a transição da escola para o mercado de trabalho era precoce e concretizava-se no próprio núcleo doméstico.
Vinte anos depois o progresso registado “é assinalável”, lê-se no estudo. De cerca de 12,6% a taxa de abandono teve uma quebra significativa nos anos 90, no início do século cifrava-se em 2,8% e em 2011 em 1,7%. Por se tratar atualmente de valor residual, surge a necessidade de avaliar um novo indicador: o abandono precoce. Diz respeito ao número de jovens entre os 18 e os 24 anos que saíram do sistema educativo sem o 12.º ano e não frequentam qualquer tipo de formação profissional.
Os investigadores verificaram uma “elevada sensibilidade” entre a saída do ensino e a empregabilidade. “Quando o desemprego dos jovens é baixo, o abandono precoce tende a ser mais alto, verificando-se o inverso em situações de aumento desse desemprego.” O fenómeno tem “especial incidência” em Portugal e nos países da Europa do sul. A explicação para esta correlação poderá estar no baixo valor social atribuído à educação. “Em situação de escolha entre mais um ano de escolarização e a inserção precoce no mercado de trabalho, esta segunda opção tende a prevalecer”, escrevem os investigadores.
De acordo com os dados extraídos dos Censos, Portugal reduziu o abandono precoce de 63,7% em 1991 para 27,1% em 2011; segundo o Eurostat, órgão oficial de estatísticas sobre a União Europeia, o valor aproximou-se dos 20% em 2012 e poderá baixar em 2013.
Numa retrospetiva geográfica, o grande foco de abandono situava-se na metade litoral do norte do país e nos concelhos do Pinhal Interior, Baixo Alentejo e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Duas décadas depois, o primeiro grupo regista as maiores reduções, sendo que apenas o vale do Douro apresenta valores acima da média nacional. Os Açores ocupam o primeiro lugar na lista dos 25 concelhos que em 2011 registavam maiores taxas de abandono precoce, em segundo lugar os municípios localizados na confluência dos vales do Sousa, do Tâmega e do Douro, apesar da quebra assinalada. Em terceiro lugar, contam-se os concelhos mais isolados do Alentejo.
Insucesso troca norte pelo sul
Para medir o insucesso escolar, com base nos dados obtidos pelos Censos, os investigadores criaram um indicador relativo ao “atraso escolar”, entendido como o número de jovens com pelo menos um ano de chumbo. Comparando os resultados dos três inquéritos, os investigadores concluíram que a percentagem de alunos a frequentar ciclos de ensino com idade superior à ajustada tem vindo a diminuir desde 1991.
No entanto, a redução do “atraso escolar” é mais evidente no 1.º e 2.º ciclo do que no 3.º e ensino secundário. Curiosamente, o 2.º ciclo registava nos anos 90 “um valor anormalmente alto”, diz o estudo, mas idêntico ao do secundário. Ainda assim, após a quebra acentuada nesta década, o 3.º ciclo e o secundário estabilizaram a proporção dos alunos com idade superior à idade ajustada. “Tal significa que naqueles dois ciclos de ensino não se conseguiu reduzir de forma significativa a acumulação da retenção”, explicam os autores. Com estas leituras, os investigadores estimam que “dos alunos atualmente a frequentar o 2.º, 3. º ciclo e secundário cerca de um terço conta com, pelo menos, uma retenção no seu percurso escolar.
A cartografia das taxas de atraso no 1.º ciclo mostra uma alteração na distribuição de 1991 para 2011, passando da maior incidência do Norte de Portugal para os concelhos do Sul, ainda que se mantenha uma elevada incidência no Vale do Douro e Beira Interior. Por outro lado, os investigadores assinalam “o maior continuum geográfico” na Lezíria do Tejo, na Área Metropolitana de Lisboa, no Alentejo e no Algarve. “Claramente, a natureza do “atraso” neste ciclo já não se identifica exclusivamente com as zonas rurais e mais isoladas, mas abrange zonas peri-urbanas, muito possivelmente marcadas pela presença de comunidades migrantes”, explicam os investigadores citando em particular os casos da região algarvia e lisboeta.
O atraso escolar no 2.º e 3.º ciclo seguem padrões semelhantes “acentuando a natureza cumulativa do insucesso”. No ensino secundário é mais evidente o contraste entre o litoral e o interior, na metade norte do país. E, também a generalização a zonas urbanas e rurais, sejam do interior ou litoral, na metade sul. Apenas um senão: alguns concelhos do Alentejo e dos Açores registam em 2001 taxas de atraso escolar superiores às observadas 20 anos antes.
Elevar expectativas
Na parte final do estudo “Atlas da Educação” sugere-se uma avaliação do risco de abandono. O peso da falta de escolarização dos pais, o efeito do mercado de trabalho e o insucesso, além do contexto socioeconómico proporcionam várias explicações para este fenómeno. Acresce a taxa de abandono entre os 15 e os 17 anos, fruto de percursos atribulados pelo insucesso, sobretudo no 1.º e 2.º ciclo.
O cenário encontrado nos últimos vinte anos permite aos autores do estudo avançar com algumas recomendações para prevenir e combater um dos maiores problemas do sistema educativo: o insucesso. Desde logo, uma intervenção ao nível do 1.º ciclo. “A retenção e a repetência nos primeiros quatro anos de escolaridade são fatores de insucesso e de abandono que vão refletir-se nos anos seguintes”, dizem os investigadores alertando que cerca de 35% dos alunos chumbaram pelo menos uma vez no seu percurso escolar.
Por outro lado, “quando as intervenções remediativas sobre o risco de insucesso e de abandono incidem sobre o 3.º ciclo ou o ensino secundário, a probabilidade de inversão das expectativas é claramente mais reduzida”, acrescentam. Isto não significa que nada se possa fazer nestes níveis. A intervenção deve capacitar os alunos, com objetivo de aumentar as suas expectativas de escolarização.
Segundo os investigadores, o aumento das expectativas de sucesso dos alunos pode “contrariar o carácter seletivo e determinístico dos trajetos escolares em contextos sociais de desvantagem económica ou mesmo de exclusão”. Mas a tarefa não cabe apenas às famílias e aos professores, alertam, deve envolver as comunidades locais, as autarquias e as empresas. Só assim se poderão baixar os níveis de abandono e elevar os resultados.
In "Educare.Pt"
Sem comentários:
Enviar um comentário