sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Escavações no Cimo de Vila começam de madrugada

Andar à procura de um alfinete no terreiro



Agosto é mês de arqueologia na zona histórica de Penamacor, onde há vestígios que vão dos alfinetes romanos com cabeça de dragão à grandeza da barbacã que protegeu a vila das invasões.

O relógio que fica mesmo ali acaba de dar o sinal das 6 da manhã, mas junto ao Pelourinho já se trabalha com afinco. Tem sido assim nos últimos cinco verões em Penamacor, vila que amiúde revela algumas surpresas na arqueologia. Primeiro foram os esqueletos com sinais de autópsia. Agora são os muros da antiga barbacã, que os arqueólogos só conheciam da planta desenhada por Duarte D´Armas em 1509.

A pedra destes três muros não tem o aprumo que é visível na torre do relógio. São irregulares e fazem lembrar um qualquer muro numa qualquer quinta ao redor da vila. Mas esta característica é a prova que os muros terão sido construídos devido a uma emergência.
“Parece que resultam da pressa que eles tinham em construir isso”, explica a arqueóloga Silvina Silvério. No local aponta rochedos com marcas de cunhas, que poderão indiciar que na construção da barbacã foi utilizada a pedra que estava mais à mão. Foram ainda encontradas moedas castelhano-leonesas, que ajudam a enquadrar as construções na época.
A indicação é que as estruturas foram construídas no reinado de D. Fernando (1367 – 1383), mas com intervenções até ao reinado de D. João I (1385 – 1433), alvo de construções ou reconstruções. Daí a existência de três muros.
As construções poderão atingir os cinco metros de altura e são para deixar à vista, depois de serem consolidados. O segmento da barbacã que a equipa de Silvina Silvério está a estudar tem cerca de 20 metros de extensão dos cerca de 500 metros originais, que no relato da especialista começavam na torre do relógio e cobriam a parte norte da zona histórica de Penamacor, o chamado Cimo de Vila.
O trabalho desenvolvido pela equipa, financiada pela Câmara Municipal de Penamacor, não se resume ao mês que passam no pino do Verão nas escavações. Há um levantamento documental que fala sobre as estruturas e a relação do rei com o concelho. Documentação “que esclarece definitivamente que o castelo de Penamacor nunca pertenceu aos Templários, foi sempre régio”.
As escavações trazem ainda à luz do dia outros dados sobre o quotidiano de quem andou por Penamacor. “O espólio é muito bom porque apanhamos imenso material cerâmico sobretudo dos séculos XV e XVI, mas também artefactos mais antigos como bronzes romanos e porcelanas chinesas”.
A caixa dos tesouros
No Cimo de Vila os trabalhos acontecem há cinco anos e permitiram a descoberta de 38 esqueletos e inúmeros objectos de várias épocas que ainda hoje continuam a surpreender quem trabalha no local.
Da caixa onde vai guardando estes tesouros a arqueóloga Silvina Silvério retira um fecho em bronze, utilizado no fardamento militar romano. Olhando para este é possível distinguir a cabeça de um dragão. Apesar de a liga metálica ter a espessura de um fósforo, a peça está em bom estado de conservação.
“Ainda estamos numa fase preliminar dos trabalhos, mas temos muitos fechos de fardamento romano e de arreios de animais”, explica a arqueóloga. Estas descobertas sustentam a existência na zona de uma guarnição militar romana, associada à via para Braga e Mérida.
“Quem vem de passagem não deixa tantos vestígios e além disso o índice de ocupação romana aqui à volta é muito grande”, diz a arqueóloga. A presença de zonas férteis para a agricultura e o ouro das minas da Presa também contam.
Entre os objectos há ainda anéis romanos e uma moeda do ano 79 Antes de Cristo.
As peças encontradas deverão fazer parte do Museu Municipal de Penamacor, quando for concretizada a tão esperada ampliação. Mas nos últimos anos têm sido feitas exposições em Penamacor e até em Lisboa, para mostrar o trabalho feito nas escavações.
À semelhança de anos anteriores a equipa coordenada por Silvina Silvério conta também com a ajuda de jovens do concelho, alguns dos quais participam nos trabalhos desde as primeiras campanhas. E nem o facto de terem de estar no terreno por volta das seis da manhã e em época de férias é um contra. “Há sempre gente jovem que quer vir (…) eles empenham-se bastante e voltam todos os anos, o que dá uma certa satisfação”. É assim até perto das duas da tarde, hora em que o calor ganha na batalha com a história. Com ou sem barbacã.



Autor: José Furtado in jornal "A Reconquista"

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