terça-feira, 4 de novembro de 2014

Um dia de demónios e pão por Deus


demónios
Muita algazarra, muita comida, muita jeropiga, muito… cabrão? Foi um dia de demónios e pão por Deus

A noite de 31 de outubro é, dizem, de bruxas. Um pouco por todo o mundo, as crianças mascaram-se de fantasmas e outras criaturas mágicas e assustadoras, esculpem abóboras, pregam sustos e chantageiam os adultos.
“Trick or treat“, doce ou travessura, que é como quem diz: ou me dás algo com que adocicar a boca ou faço-te trinta por uma linha. A moda tem mais expressão nos países anglófonos, mas por cá já tem muitos adeptos, mesmo se haja outras manifestações que reclamam mais antiguidade.
Em Cidões, “o demónio está à solta”. O melhor é ir ver com os próprios olhos.
Porque é (quase) de cavalgada que se trata. Quando os sinos tocam as doze badaladas e o último dia de outubro termina (este ano será o primeiro de novembro, mas já lá vamos), uma carruagem puxada por uma junta de bois repleta de rapazes passa pelas ruas da aldeia a fazer saltar da cama aqueles que já para lá foram. Aí, “o demónio está à solta, viramos tudo ao contrário”, diz Luís. E está mesmo a falar a sério: os rapazes roubam coisas, metem-se com as raparigas, viram tudo do avesso.
Uma chantagem saudável
Se há tradição que parece não ser contestada por mais nenhum povo do mundo (a não ser o galego), é o chamado ‘pão por Deus’. As crianças, munidas de cestos, vão de porta em porta, no primeiro dia de novembro, pedir bondade aos vizinhos – e saem com os bolsos cheios de alimentos.
“Antigamente vinha muita gente, mesmo de terras vizinhas”, lembra Fernanda Barreto, habitante da aldeia de Aranhas, no concelho de Penamacor, distrito de Castelo Branco. Nos seus tempos de garota, “havia gente muito pobre e era por necessidade” que pediam o ‘pão por Deus’.
Nessa altura, havia batatas, alhos, cebolas, frutos secos e alimentos nobres para repartir. “Ficávamos todas contentes quando nos davam figos secos nas casas mais ricas”, ri-se Fernanda, que ainda hoje vê bandos de crianças passear pelas ruas estreitas da aldeia a pedir o santoro.
“Santoro ó dia, já é meio-dia” é o pregão usado pelas crianças à cata de comida.
O santoro? Sim, é como se chama o ritual do ‘pão por Deus’ em Aranhas e aldeias beirãs vizinhas. É também o nome de um bolo que “os padrinhos encomendam para dar aos afilhados” neste dia, explica a aldeã. Quem não tem padrinho, avia-se com fruta e dinheiro, mas para os adultos há castanhas, romãs, tremoços e jeropiga. Muita jeropiga.
Seja na aldeia ou na cidade, vestido de bruxa ou não, a pedir guloseimas ou jeropiga, a alegria é a palavra de ordem por estes dias. Os católicos cumprem o ritual de Todos-os-Santos, indo à missa, pedindo perdão pelos pecados, comungando e, nalguns casos, visitando os cemitérios onde descansam os familiares. Depois, do cristão ao pagão vai um pequeno passo. E sem dramas. Como se diz por lá:
“Quem da cabra comer – e ao canhoto se aquecer – Com certeza um ano de boa sorte vai ter”.
Ámen.

In "Maior TV"

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