quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Haverá remos para contrariar tal maré?

Muitas são as estratégias utilizadas por municípios da Beira Interior para tentar estancar a perda de população. Neste remar contra a maré, haverá mesmo remos?

OUVEM-SE suspiros no vazio. Sempre por cá andaram em sussurro, mas escassas vezes se fizeram ouvir. Contudo, hoje ouvem-se. Porque o problema saiu dos discursos e do papel e caiu, com direito a estrondo, na realidade das preocupações quotidianas.
O elenco vai longo e as ideias fizeram o seu caminho. Há quem lhes possa chamar o último acto, o acordar para a realidade, o tudo por tudo, o forcing possível.
E os suspiros a fazerem-se ouvir. A luta a fazer-se pode ser inglória, mas se assim não for, que caminhos restarão a quem procura essa mesma glória, por mais humilde que se afigure? Tentar é resistir. Mesmo que os números oficiais continuem a confirmar a sangria. Mas... se não fosse esta luta, maior seria o desânimo dos números? Talvez sim, talvez não.
O elenco é vasto: desde a subsidiação directa dos nascimentos, com valores a variar de município para município, tentativa de cativar imigrantes para iniciarem uma nova vida em territórios portugueses deprimidos demograficamente – como foi o caso de Vila de Rei –, cortes em derramas, isenção de pagamentos de taxas municipais, cartões municipais com livre acesso a benefícios sociais. Sim, o rol é longo. E há mais.
A Beira Interior tornou-se um mapa de tentativas bem intencionadas de lançar mão aos que podem balançar para outras bandas. As autarquias lutam para para fixar população com os instrumentos à disposição, alguns deles facilitados pelo poder central. A lei das finanças locais, em vigor desde 2007, criou um mecanismo que permite aos municípios baixar o IRS a pagar pelos seus habitantes. Num levantamento feito pela DECO, dos concelhos que colaboraram com o estudo, 25 admitem conceder esta redução. Entre eles Belmonte (redução de cinco por cento), Figueira de Castelo Rodrigo (três por cento), Fundão (três por cento), Oleiros (cinco por cento) e Vila de Rei (três por cento). Já no IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), das 69 autarquias que responderam ao inquérito da DECO, estavam isentos os munícipes que residiam nestes concelhos: Aguiar da Beira, Belmonte, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Fundão, Oleiros, Proença-a-Nova, Seia e Vila de Rei.
Os dados, entretanto, estão lançados. Mas o jogo já está ferido de vício. Há concelhos na Beira Interior que perderam 30 por cento da população em 17 anos. Não é gralha. 30 por cento em 17 anos. Os argumentos económicos de muitos municípios são demasiado débeis e a criação de expectativas raia o nulo. Sem dinamismo económico e criação de expectativas está criado o contexto ideal para o escancarar das portas. Assim o foi e assim o é. Como fixar empresas em zonas com dificuldades severas de manutenção de quadros? Mas se elas não se fixarem, como se poderão manter quadros?
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, entre 1991 e 2008, a Beira Interior, com a excepção da Guarda e Belmonte (que cresceram), perdeu população em todos os municípios, em gradações distintas. A título exemplificativo: Meda perdeu 23,1 por cento da população, Idanha-a-Nova 25,2 por cento, Oleiros 26,2 por cento, Vila Velha de Ródão 30,1 por cento e Penamacor 30,6 por cento.
Este é o caminho que está a ser traçado. Sem estas medidas poderia ser pior? Poderia, eventualmente. Mas como se trata esta doença que ameaça tornar-se incurável?

Manter regalias mas já não subsidiar nascimentos e casamentos

O CONCELHO do Fundão é um dos que menos perdeu população nos últimos 17 anos (quebra de 2,5 por cento) na Beira Interior, tendo um registo de pouco mais de 30 mil habitantes em final de 2008. Este concelho também encetou medidas para combater o despovoamento, um combate especialmente centrado nas freguesias rurais. Em 2003 começou por atribuir subsídios directos por casamento (dois mil euros) e mil por nascimento nas aldeias do concelho que tivessem registado perda de população nos últimos dez anos. A prática foi abandonada após a Inspecção-Geral da Administração do Território ter considerado – a propósito de ajudas similares de um outro município da região – que não era legítimo atribuir indiscriminadamente o subsídio aos nascimentos, independentemente do nível de rendimento dos casais. Actualmente, estão em vigor outros apoios, com especial incidência ao nível fiscal e de reduções de preço nos serviços prestados pela autarquia. Para além da questão do IRS, a autarquia também isenta os jovens entre os 18 e os 30 anos de pagamento de IMT em freguesias que tenham perdido população nos últimos dez anos. Também é praticada a redução das taxas de urbanismo até 50 por cento para investimentos considerados de interesse municipal.
A Câmara do Fundão tem ainda em vigor dois cartões de benefícios vários: para jovens entre os 15 e os 35 anos com vários descontos em serviços prestados pela autarquia e o cartão social que permite até 50 por cento da redução da factura da água, bem como outras reduções para estes cidadãos mais desfavorecidos economicamente.
Paulo Fernandes, vice-presidente da autarquia, acredita que “estas medidas, pelo menos, ajudam a suster a sangria de população que sentimos na região nas últimas décadas”.

Cativar cidadãos estrangeiros para o Pinhal

TALVEZ a acção mais “espectacular” para tentar inverter um ciclone demográfico que grassa em alguns concelhos foi levada a cabo há anos por Vila de Rei ao cativar cidadãos de nacionalidade brasileira para se sediarem naquele concelho, um dos mais despovoados da região. A população do concelho pouco passa da barreira dos três mil e essa acção mereceu intensa cobertura mediática, demonstrando – independentemente dos resultados, que acabaram por ser pouco visíveis – a férrea vontade com que se tentava estancar o despovoamento.
Este, sim, poderá ser um case study para sedimentar memórias futuras num contexto onde não perder população é vitória de estrondo. É do que se trata em vastas regiões do interior. E em muitos lugares, perder poucos também poderá ser celebrado em segredo.
Os municípios já com quebras na ordem dos 10, 20 ou 30 por cento da população em menos de duas décadas bem poderão questionar-se se a manter-se esta cadência, qual será o destino de muitas das suas vilas e aldeias. Sabe- -se, por exemplo, que a região da Beira Interior Norte está a perder população a um ritmo de um por cento ao ano. Mas esta é uma média que encobre casos bem mais acentuados de perda. Se os maiores municípios conseguem ter perdas ligeiras e mesmo ganhos – como a Guarda os teve – nos espaços rurais, a perda é mais sentida.

A redução de impostos e taxas como factores de sedução

O CONCELHO de Oleiros fica numa das regiões mais deprimidas da Beira Interior – a zona do Pinhal. Com uma população estimada pelo INE em 5.784 habitantes em final de 2008, este concelho mantém uma série de incentivos à população na tentativa de evitar que a saída de população comprometa o futuro do concelho. Oleiros isenta o Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, bem como foi um dos primeiros municípios do país a implementar a redução de cinco por cento no IRS. O município isenta também de derrama todas as empresas sediadas no concelho.
Este município do pinhal alivia os munícipes dos encargos da taxa de resíduos sólidos e de conservação de esgotos, bem como mantém activo um cartão municipal que dá acesso a alguns dos equipamentos dependentes da gestão camarária, como as piscinas cobertas e o ginásio.
Este concelho do distrito de Castelo Branco perdeu entre 1991 e 2008, segundo o Instituto Nacional de Estatística, 26,2 por cento da população.

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