quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O último a sair feche a porta por favor...

Só Guarda e Belmonte aumentaram de população entre 1991 e 2008. Castelo Branco, Covilhã e Fundão perdem. Há concelhos fora do eixo urbano que perderam quase um terço da população em 17 anos. O País sem se mexer, move-se.


HÁ CONCELHOS na Beira Interior que em 17 anos perderam 30 por cento da população. Estamos pois, por direito próprio, em pleno e agreste patamar em que a reflexão – quem a fez – exige, agora, materialização em medidas enérgicas sob a ameaça de dentro de duas décadas haver concelhos apenas em forma de papel e em conceito abstracto. A marcha do silêncio que invade um vasto território abriu brechas profundas na demografia do interior, expondo fragilidades estruturais e danos que, já no curto prazo, se poderão tornar irreparáveis. Não é com espírito de cruzada que se contraria tão poderosa dinâmica de transferência populacional. O fosso entre litoral e interior aprofunda-se.
Uma dinâmica acelerada, antes de tudo, pelos próprios argumentos económicos das regiões. Os fluxos demográficos seguem irmamente ligados à dinâmica económica e aos postos de trabalho efectivamente disponíveis e potenciais. E também às expectativas de futuro que cada região consegue criar. É esta união insolúvel que dita a realidade. A terra das oportunidades não coincide com a terra-natal de milhares. Vista daqui, está quase sempre a Oeste para quem decide ficar no País e a Este para quem emigra. Estamos, pois, no centro do dilema, onde quase tudo se pode resumir à célebre "It´s the economy, stupid!", citando a frase de James Carville, o estratega eleitoral da campanha presidencial de Bill Clinton em 1992.
Os concelhos da Beira Interior têm diferentes anticorpos na resistência ao embate. É um interior com as suas próprias periferias. Com frágeis cortinas estaques cer-radas por municípios que têm como sede as principais cidades da região. São o primeiro e, simultaneamente, o único e mais efectivo entrave. O mais forte argumento chama-se médias cidades. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística publicados pelo “Público” os 25 concelhos da Beira Interior (distritos de Castelo Branco e Guarda), apenas o da Guarda e o de Belmonte registam crescimento populacional entre 1991 e 2008. A Guarda consegue crescer 14,7 por cento, com a sua centralidade de capital de distrito a não ser alheia a este fenómeno de captação, especialmente se olharmos para outros concelhos do distrito em quebra. Ao lado, Belmonte também alimenta um saldo positivo de quatro por cento, o que não deixa de ser de substancial relevo para um pequeno concelho. No mapa das resistências, mais a Sul, os maiores concelhos do distrito de Castelo Branco perdem população, uma quebra que, neste cenário, não é revestida de arrasador susto. Castelo Branco, Covilhã e Fundão perderam população entre 1991 e 2008, em índices que chegam aos 3,5 por cento. O de Castelo Branco é o que perde menos. Neste período o decréscimo foi de 0,6 por cento. O Fundão registou uma perda de 2,5 por cento e a Covilhã de 3,5 por cento. Se as resistências dos principais pólos económicos e populacionais do distrito não ficaram imunes, o cenário adensa-se quando o eixo das maiores cidades começa a ficar longínquo: Aguiar da Beira perde 8,3 por cento da população, Vila Nova de Foz Côa 10,8 por cento, Seia 11,6 por cento, Gouveia 11,9 por cento, Sertã 13,9 por cento, Vila de Rei e Fornos de Algodres 16,5 por cento, Manteigas 18,1 por cento, Figueira de Castelo Rodrigo 19,1 por cento, Proença-a-Nova 20,2 por cento, Sabugal 21,7 por cento, Pinhel 22,5 por cento, Meda 23,1 por cento, Idanha-a-Nova, 25,2 por cento, Oleiros 26,2 por cento, Vila Velha de Ródão 30,1 por cento, Almeida 30,3 por cento e Penamacor 30,6 por cento. Estes últimos concelhos perderam quase um terço da população em menos de vinte anos.
O pouco virtuoso quadro do despovoamento marca indelevelmente o cariz de um país. Sesimbra quase duplicou de população em 17 anos – aumento de 92,6 por cento. Albufeira aumentou 86 por cento e Alcochete 77,6 por cento. Os arcos das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto continuam a ser poderosos ímanes de absoluto poder de atracção. Um outro núcleo de crescimento é o Algarve. Depois há outros focos – quase todos eles no litoral – de grande crescimento populacional. O interior é senhor de algumas excepções como Entroncamento e Lousã a aumentarem 53 e 43 por cento de população, respectivamente. O Interior Norte e Centro e Alentejo são as regiões que mais se ressentem. O país sem se mexer, move-se. A realidade dos números mostra um quadro de atractividades, quase todas concentradas no litoral. Mas no interior há casos em que se resiste e a fixação de população tem sido conseguida, em registos diversos. Não perder é vitória. Crescer é assinalável.
Parece evidente que um interior desprotegido e em hemorragia populacional tem que reinventar os paradigmas económicos que permitam a fixação da população. Recuando décadas, assentamos em zonas rurais populosas, num quotidiano sustentado por uma agricultura de subsistência – pelas actividades a si paralelas – , floresta e pastorícia. O mundo rural tal como era o de Portugal até meados do século passado não se fixa no presente. O crescimento económico e das expectativas de bem-estar marcaram a migração e a emigração. E terão marcado o início deste cavalgar de despo- voamento. Neste interior não se clama o regresso a paradigmas de sustentabilidade económica e social anacrónicos – num tempo que, todos sabem, já não regressará. O que muitos ainda não pensaram ou foram incapazes de concretizar foi a gestação de outros paradigmas capazes de, em primeira instância, fixar os seus quadros e depois, sim, tentar assegurar a renovação da população. Mas há sinais a merecer registo, com autarcas da região a aperceberem-se da situação crítica dos seus concelhos tentarem com os limitados meios ao seu dispor inverter a pesada avalanche. Reflectindo – primeiro – e encontrar o caminho certo, depois. Uma estratégia de desenvolvimento que, a partir do actual débil patamar de população, estanque a sangria que prolifera. Se o investimento chama investimento, no interior mais despovoado, sem tecido industrial e sem quadros a estratégia terá que ser outra. E há quem já se tenha apercebido disso.
Regressamos ao início do texto: há concelhos que perderam quase um terço da população em apenas 17 anos. Até os maiores pólos económicos regionais sentiram dificuldades em manter população – perderam-na. Se não se arrepiar caminho, alguém terá mesmo que fechar a porta. Mais cedo do que muitos possam pensar.


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Autor: Nuno Francisco in "Jornal do Fundão"

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